O que acontece quando não nos organizamos?
No texto anterior, falei da organização como um pilar invisível — um suporte discreto, mas essencial, para que a vida (e a educação) aconteçam com inteireza. Mas e quando esse pilar falha? O que se perde quando não nos organizamos?
Há quem associe a desorganização apenas ao caos visual ou à falta de pontualidade, mas o impacto é mais profundo. Desorganizar-se é, muitas vezes, desistir de si aos poucos. É abrir mão da clareza, da autonomia e, em última instância, da própria responsabilidade sobre o que se escolhe (ou não) viver.
Organização e autoresponsabilidade
Autores como Stephen Covey, em Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes, colocam a organização pessoal como um acto de protagonismo. Ao contrário do que se pensa, não se trata de controlar o tempo — trata-se de escolher onde se coloca a energia vital. Organizar-se é responder com verdade à pergunta: “O que é mesmo importante para mim agora?”.
Também Daniel Goleman, ao falar de inteligência emocional, associa a competência da autorregulação a uma estrutura interna que permite escolhas mais conscientes. Não é possível sustentar a empatia, a escuta ou o cuidado com os outros quando se vive no improviso ou na exaustão constante.
A ilusão do “logo se vê”
Quando adiamos decisões, empurramos prioridades, acumulamos tarefas, estamos a alimentar a ilusão de que em algum momento futuro haverá mais tempo, mais foco, mais disponibilidade. Só que esse “logo” raramente chega. O que chega, com frequência, é o cansaço. A frustração. A sensação de que se vive apenas a reagir.
E é aqui que a organização se revela não como rigidez, mas como possibilidade de liberdade. Quando sei o que me cabe, posso escolher. Quando escolho com clareza, posso cuidar — de mim, dos outros, dos processos que me importam.
Organização como prática ética
A organização, neste sentido, não é uma técnica de produtividade. É uma prática ética. Organizar-se é respeitar o tempo dos outros. É criar ambientes que favorecem o encontro, o diálogo, a escuta — em casa, na escola, no trabalho. É não perpetuar a cultura do improviso que tantas vezes esconde negligência, sobretudo nas instituições educativas.
Nel Noddings, ao falar da “ética do cuidado”, lembra-nos que cuidar é antecipar necessidades. E para antecipar, é preciso estrutura. Não se cuida de alguém (nem de uma comunidade) no improviso permanente.
Uma provocação: onde estás a falhar contigo?
Este texto não pretende romantizar agendas preenchidas, nem vender fórmulas mágicas de organização. Pretende, isso sim, propor um olhar mais comprometido:
Quais compromissos são teus e estão por cumprir?
Quais processos tens negligenciado por falta de estrutura?
A que (ou a quem) estás a dizer “sim” por não teres clareza suficiente para dizer “não”?
Se a organização é, de facto, um pilar invisível, talvez esteja na hora de o tornarmos visível — não para os outros, mas para nós. Porque organizar-se é começar por si, e não por mais um post-it colado à pressa.
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